21 julho 2008

De Fernando Pessoa

Ali não havia electricidade.
Por isso foi à luz de uma vela mortiça
Que li, inserto na cama,
O que estava à mão para ler-
- A Bíblia em português ( coisa curiosa), feita para protestantes
E reli a Primeira Espístola aos Coríntios.

Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província
Fazia um grande barulho ao contrário,
Dava-me uma tendência do choro para a desolação.

A Primeira Epístola aos Coríntios...
Reli à luz duma vela subitamente antiquíssima ,
E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim...
Sou nada...
Sou uma ficção...
Que ando eu a querer de mim ou de tudo no mundo?
"Se eu não tivesse a caridade..."
E a Soberana Luz manda, e do alto dos séculos,
A grande mensagem com que a alma é livre.
"Se eu não tivesse caridade..."
Meu Deus e eu que não tenha a caridade !

20/12/34

Poesia de Álvaro de Camps, Vol. II, p. 219
Colecção dirigida por Vasco Graça Moura

Sem comentários: